Dercy
Gonçalves durante um histórico monólogo na “Terça Nobre” (Rede Globo, 1991)
soltou para quem quisesse ouvir: “velho é uma merda”. Segundo ela, o termo “velho”,
“velhice” está associado a algo imprestável, inútil, que fora usado a exaustão
no passado e serve nos dias atuais para acumular poeira e dar trabalho aos mais
jovens. A velhice é mesmo ingrata, e mesmo com todas as prerrogativas para torná-la
digerível a quem chegou nesta fase, a sensação de impotência e de dependência
torna este molho amago demais para passar na garganta.
Pensa
bem: um dia, você consegue manter pessoas cativas à sua vontade com apenas um
franzir de sobrancelhas ou estripa um exército sem fazer menor esforço. Na casa
dos noventa, só lhe resta urinar com ajuda externa ou esperar uma tarde inteira
para curar um risco no braço. Sim, senhores. Estou falando do dilema de “cruzar
o cabo da Boa Esperança” que o filme “Logan” (James Mangold, 2017) injeta nas
veias de quem assiste.
O
nosso intrépido mutante foi reduzido a um arremedo de super-herói no filme que
encerra de forma magistral a trilogia de filmes-solo do Wolverine. As marcas de
expressão, o esgotamento físico e mental, a problemática da caçada aos
mutantes, um futuro medonho, tudo isso é lançado na nossa cara sem cerimônia em
duas horas de filme. Tudo isso, e a velhice. O final da vida chega para todos,
e vemos o duo Wolverine e Charles Xavier – o outrora telepata mais poderoso do
planeta – esmagados pela idade, pela ressaca nas suas capacidades, pelo
desgosto em ver o sonho da unificação entre humanos e mutantes ser varrido
junto à poeira do meio-oeste americano.
A
projeção é FANTÁSTICA. Direção afiada, trilha sonora meticulosa – bem distante
daqueles arroubos histriônicos de blockbusters
–, roteiro pontual. Atuações de primeira categoria. Hugh Jackman se entregou de
corpo e alma para dar ao brasão que defendeu há 17 anos, chega a ser uma
metáfora ao seu próprio exercício de interpretação, muitas vezes posto em xeque
por pertencer ao nicho dos filmes baseados em HQs, e também pela infeliz safra
dos filmes anteriores. Era de se esperar que Patrick Stewart honrasse outra vez
o (ex-)mentor dos X-Men, irradiando em cada frame
a sua verve dos teatros britânicos com um nonagenário problemático consumido de
impaciência, mágoa e culpa.
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Você também vai chorar, assuma! ("Logan", 2017) |
E
o que dizer de Dafne Keen? A menina brilhou desde os trailers e cumpre com
perfeição o fio condutor do argumento, a rebelde com causa que expressa apenas com
um golpe de vista a fúria que corre nas suas veias juvenis.
Aos
que conhecem a “Jornada do Herói” de Joseph Campbell, o filme tem seus lances
previsíveis. Isso é ruim? De forma alguma. Isso me conectou mais fácil à
proposta do diretor James Mangold, que também assina o argumento. Torna o
sofrimento, a pena, conecta o espectador ao cerne do sentimento que atormenta os
mutantes remanescentes. A caçada ao “diferente” é a mesma em 1973, em 2001 e
2029. Nada muda, nunca muda. Entretanto, é na perseguição que a jornada de transcendência
se torna tão bonita quanto dolorosa. A menina e o homem com garras de
adamantium não são os mesmos quando as luzes se acendem, muito menos quem
assistiu a história desde que elas se apagaram.
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O novo e o velho se encontram... ("Logan", 2017) |
“Logan”
se firma como um drama de ação da mais alta qualidade, nem tão preocupado em contar
uma história que todos já conhecem, ou são capazes de deduzir com a visão mais
apurada. Seu objetivo é mostrar que todos vamos perder a força, o vigor, nos
tornar o rascunho daquilo que fomos nos dias anteriores. E se não quisermos
acumular poeira, precisamos lutar por um objetivo, cavar o chão para torná-lo
possível e abrir espaço a quem está vindo em seguida. James Howlett encerra sua
saga de forma catártica, me proporcionando a experiência emocional mais sincera
que tive neste ano.
Tava precisando ler esse texto. Fico feliz de ver que Logan provocou todas essas emoções em outras pessoas. Um final mais que merecido pro meu herói favorito. :)
ResponderExcluirFernanda - The Bookworm Scientist